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Eugênio Trivinho: dromocracia e educação (parte 1)

Criado: Terça, 20 de Fevereiro de 2018, 10h04 | Publicado: Terça, 20 de Fevereiro de 2018, 10h04 | Última atualização em Terça, 20 de Fevereiro de 2018, 10h06 | Acessos: 4318

Eugênio Trivinho é professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Autor de vários ensaios de crítica da comunicação, da civilização mediática, da cultura pós-moderna e da cibercultura, publicou, entre outras obras, Glocal: visibilidade mediática, imaginário bunker e existência em tempo real (São Paulo: Annablume, 2012) e A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada (São Paulo: Paulus, 2007), onde defende a ideia de que vivemos uma dromocracia cibercutural, ou seja, uma era do Regime da Velocidade, baseado na tecnologia digital.

Em conversa com nossa equipe, Trivinho explica melhor o conceito e avalia como a Educação, em especial na modalidade a distância, pode ser afetada. Leia a seguir a primeira parte da entrevista.

CTEAD – Você defende a ideia de que vivemos em uma dromocracia cibercultural. Como defini-la em poucas palavras?

EUGÊNIO TRIVINHO – Para mim, dromocacia cibercultural é o nome da época, que diz respeito a um regime – cracia – invisível, da velocidade – dromos, prefixo grego, que define rapidez – com base nos equipamentos digitais e redes interativas – ciber – e que perfaz, no todo, uma cultura, que é a nossa época. Sinteticamente, você tem aí dromocracia cibercultural.

CTEAD – E o fenômeno da glocalização? Como podemos definir?

TRIVINHOGlocalização vem de um termo que nomeia um fenômeno e por mim é tratado como glocal. Glocal vem de um neologismo do sistema industrial automotivo japonês dos anos 1960 e faz escala em muitas áreas do saber – da Ecologia à Administração, da Economia Financeira Corporativa aos Esportes, ao mundo do Entretenimento – e acaba entrando, com uma configuração semântica, na área das Ciências Humanas. Pela Sociologia entra, muito fortemente, pelas mãos do sociólogo Robert Robertson. E, na área de Comunicação, eu tenho advogado uma semântica toda particular para ele. Glocal, para mim, refere-se à época das tecnologias de comunicação em tempo real – ou seja, o tempo instantâneo, o tempo da luz, não são quaisquer tecnologias – e, basicamente, como neologismo, refere-se a uma situação que, pelo uso de tecnologias de comunicação de massa interativas ou híbridas, como, por exemplo, o YouTube, você não sabe se é televisão ou se é algo vinculado a uma tela interativa, típica das tecnologias digitais, cujo consumo é mais individualizado, quando a televisão sempre foi compatível com o consumo em grupo familiar ou coletivo. Glocal, então, como eu dizia, tem a ver com uma situação em que, pelo uso de tecnologias comunicacionais, estabelece o vínculo inextricável – que não é mais possível separar – entre o local, onde nosso corpo está e a nossa consciência atua, e o global, representativo dos conteúdos das redes – de massa ou interativas ou híbridas. Então, você tem aí, nessa junção, nessa indexação, hoje, inquebrantável, entre o local e o global, o surgimento de uma palavra única, para diagnosticar fenômenos híbridos, de junção, de borrão, entre as condições presenciais – que sempre foram ancestrais na nossa vida – e a rede, historicamente nova, desde o século XX.  “Rede” encarada no plural, “rede” em tempo real, marcada por todas as tecnologias – claro que há diferenciações internas de “redes”. Mas, enfim, o tempo real, embora haja diferenciação, é o tempo instantâneo, é o tempo da luz, que faz com que informações, mensagens, dados, imagens circulem na velocidade da luz, a 300 mil quilômetros por segundo. Um “enter” faz, evidentemente, uma informação chegar ao Japão em centésimos de segundo, quando uma viagem até lá, para levar a mesma informação, demoraria de 12 a 14 horas ou mais, dependendo do meio de transporte. Nós, então, temos uma condição, que é aquela proveniente do espargimento excessivo, planetário, do fenômeno glocal. E aí você tem configurada a glocalização da vida humana, a partir das relações cotidianas. Aos milhares de contextos glocais, por uso de algum equipamento capaz de rede – desde o telefone de base, passando pelo rádio, pela televisão, pelo ciberespaço e, nele, todas as redes sociais, você tem aí um planeta, de uma forma ou de outra, glocalizado. Ou pelo glocal telefônico, ou pelo glocal radiofônico, pelo glocal televisivo, ou glocal ciberespacial, demarcando um planeta cujas condições de configuração tecnológica, hoje, não nos permitem mais escapar da glocalização.

CTEAD – Quais seriam as consequências dessa dromocracia cibercultural, além da glocalização?

TRIVINHO – Na realidade, o primeiro fenômeno seria o da dromocracia, porque ela é fenômeno já antigo na história. Paul Virilio, arquiteto e urbanista francês, pensador contemporâneo que recomendo, e especialista em história militar, foi o primeiro, desde 1977, a dissecar a função da velocidade na história humana. Ele diz que a velocidade é recurso bélico – provém do campo militar – e, portanto, está umbilicalmente vinculada à guerra. Sendo rápido: vence-se, diz ele, quem é veloz. O lento permanece na visão do inimigo e pode ser alvejado. O veloz consegue, rapidamente, esconder-se e, guarnecendo recursos de ataque e contra-ataque, ele pode, de alguma forma, surpreender. O mais apto é o mais veloz. Nós somos filhos, como seres humanos, dos mais aptos, portanto, dos mais velozes. É uma leitura que ele faz da história humana a partir do prisma da velocidade. E a velocidade, segundo ele, como vetor de articulação de condições e relações humanas, desde idos tempos, acaba por se configurar ao longo da história como regime. Aí surge a dromocracia. Dromos, prefixo grego que diz respeito à rapidez, à corrida, tem a ver com a formação de estados que se calcam na lógica da velocidade. Estado e famílias abastadas, guarnecidas por milícias privadas, são, digamos, duas situações que correspondem a sistemas ultra-ágeis, para controle de território, vigilância de certas circunstâncias, para preservação de privilégios. A cavalaria montada da Idade Média, que vigiava territórios marcados por Impérios e também justificava, assim, a rapidez em que os cobradores de impostos achacavam camponeses, para sustentação dos reinados, são um bom exemplo disso.

CTEAD – Trazendo para os dias de hoje...

TRIVINHO – O que hoje nós temos é uma dromocracia compatível, evidentemente com a sua identidade íntima, que é a velocidade, articulada por sistemas de comunicação em tempo real, que trabalha tutti quanti com a lógica do tempo curto. Eu, na esteira de Paul Virilio, tenho trabalhado a dromocracia no campo mais sofisticado tecnologicamente, ou seja, naquilo que diz respeito à configuração social e histórica da cibercultura, que diz respeito a estes equipamentos digitais, redes interativas, que, para mim, correspondem ao braço mais desenvolvido, mais avançado, mais sofisticado, por assim dizer, do processo capitalista herdado do Século XVIII: Industrial e, depois, Pós-Industrial. E esse regime, o da dromocracia cibercultural, é, para mim, aquilo que mais caracteriza a lógica da velocidade hoje, desde um período histórico longevo, que vem de idos tempos, em que a velocidade apenas comparecia como um processo setorial, vinculado à guerra, depois expandindo-se a categorias e classes sociais privilegiadas, ao Estado, até chegar a um regime total, vinculado aos meios de comunicação de massa e interativos – ou híbridos.

CTEAD – Sendo assim, o senhor diria que a Educação também sofre interferência desse fenômeno? Como professor, de que maneira o senhor percebe isso? Quais desafios esse regime da velocidade impõe aos processos da Educação Formal e do Ensino-Aprendizagem?

TRIVINHO – É uma pergunta complexa. Vamos tratar primeiro da Educação de um modo geral. Quando se diz “Educação de modo geral”, diz-se “Educação Formal” e esta remete a um sistema educacional que abrange várias faixas etárias, várias escalas de pedagogia e efeito de assentamento cultural de transmissão de saber. Esse sistema está defasado em matéria de capacidade de acompanhamento cognitivo sobre que mundo é esse em que aqueles que chegam ao sistema escolar já em tenra idade vivem. O sistema escolar está defasado no sentido de que ele é dromoinapto – em matéria de potencial, de acompanhamento interpretativo a respeito das características nucleares, basilares dos sujeitos, a começar pelas crianças, que adentram o sistema escolar em busca de formação. Em tenra idade, os alunos já chegam com novas dinâmicas subjetivas, desde a família, estabelecendo relações com equipamentos móveis, adentrando em redes. E nem mesmo as escolas conseguem prover para eles equipamentos e redes usáveis dentro das disciplinas, para poderem ter o processo educativo. A subjetividade dos nossos alunos já é, de alguma forma, lastreada em dinâmicas que dizem respeito a recursos tecnológicos que eles encontram fora da escola e que marcam a dinâmica social de uma tal forma que também o sistema escolar como um todo, desde o Fundamental até as escalas cognitivas superiores, não tem – ou não tem demonstrado – suficiente competência conceitual para poder entender. Esse é o primeiro aspecto. O mundo contemporâneo é mais veloz nas suas transformações, portanto, ele é mais dromoapto do que o sistema escolar, em todas as escalas; é capaz de mobilizar conhecimento suficiente para dar conta dessa nova dinâmica. O sistema escolar é dromoinapto e não voluntariamente. É porque, pago o Estado, sobretudo para fazer aquilo que lhe compete, ele não cumpre seu papel iluminista de dar condições a que, minimamente, haja um acompanhamento competente, epistemológico, conceitual, portanto, em relação a esse mundo. Nem mesmo as escalas da educação privada, porque conhecimento exige investimento e somente havendo investimento para pesquisa e inovação – portanto, para formação de conhecimento teórico-conceitual – nós conseguimos dar passos para, minimamente, assestar a nossa consciência interpretativa a respeito do mundo na sua dinâmica, conforme ele está hoje. Por aí nós temos condições de apreender como sem muita compreensão, nessa discrepância, nesse abismo, entre um mundo altamente veloz e um sistema escolar lento – como são também os governos – nós, professores, não dispomos de recursos teórico-práticos suficientes para utilizarmos, em sala de aula, as potencialidades que as tecnologias digitais e redes interativas nos põem para que nós até façamos o caminho de atualização do saber, a começar pela formação de sujeitos, com novos saberes, sobre o mundo que eles mesmos vivem. Quer dizer, nós mesmos temos dificuldade de atualização em relação ao uso pedagógico dessas tecnologias e há muito por fazer para superar, portanto, o grau insuficiente de apropriação e utilização do potencial pedagógico daquilo que o mundo dispõe e que precisamos usar porque, pagos para cumprir um papel iluminista, sobretudo na vertente do Estado – na Educação provida pelo Estado – não o fazemos pelo fato de sequer termos uma interpretação, um entendimento compatível com o que a época exige.

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