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Eugênio Trivinho: dromocracia e educação (parte 2)

Criado: Terça, 06 de Março de 2018, 11h33 | Publicado: Terça, 06 de Março de 2018, 11h33 | Última atualização em Terça, 06 de Março de 2018, 11h33 | Acessos: 2060

Eugênio Trivinho é professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Autor de vários ensaios de crítica da comunicação, da civilização mediática, da cultura pós-moderna e da cibercultura, publicou, entre outras obras, Glocal: visibilidade mediática, imaginário bunker e existência em tempo real (São Paulo: Annablume, 2012) e A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada (São Paulo: Paulus, 2007), em que defende a ideia de que vivemos uma dromocracia cibercultural, ou seja, uma era do Regime da Velocidade, baseado na tecnologia digital.

Na edição passada, o Mural EAD apresentou a primeira parte da conversa que tivemos com Trivinho, quando falamos sobre o conceito geral que o pesquisador defende. Nesta segunda parte, o objetivo é entender como tais relações podem interferir no processo de ensino-aprendizagem, em especial na modalidade a distância.

CTEAD – A educação a distância como vemos hoje poderia ser considerada uma consequência natural do Regime da Velocidade, o qual o senhor denomina dromocracia cibercultural?

EUGÊNIO TRIVINHO – Podemos entender como uma consequência natural, porque a civilização atual – na sua fase tecnológica, digital, interativa e em rede, já sobre o lastro, no século XX, de todos os meios de comunicação de massa em tempo real – nos diz que o caminho mais conveniente nessa dinâmica tecnológica seria a suspensão dos contextos educacionais presenciais, que são ancestrais, em prol dos contextos em tempo real. A questão é que devemos nos perguntar qual é a qualidade deste ensino. Fundamentalmente, é isso que conta. Qual a tecnologia que utilizamos? Qual o sujeito que estamos formando? Que contexto é esse, da educação a distância, que estamos gestando? E projetos pedagógicos – com sistemas tecnológicos compatíveis, que estão proliferando no mundo inteiro e no Brasil, em particular – exigem ser objeto de questionamento. Não é porque há uma certa “naturalidade” em relação a uma continuidade de recursos disponíveis no mundo existente que devemos saudar, celebrando que é agora a tendência hegemônica ou deve sê-lo ou que esse é o horizonte da Educação. Não. A educação presencial deve permanecer, justificada sempre pela qualidade dela, como serviço cognitivo prestado a gerações contemporâneas e futuras. E, não havendo qualidade na educação a distância, por mais que essa, de qual tipo for, mesmo por fita cassete (em condições que o Brasil exige hoje; o Estado precisa chegar até às comunidades desfavorecidas, que vivem longínquas e em que só se chega de barco, para prover educação), até os sistemas de educação a distância on-line, nós precisamos questionar no sentido de que esses sistemas de educação a distância devem prosperar exclusivamente, se oferecem educação compatível com a qualidade exigida. Isso tudo com a formação de sujeitos sociais autoconscientes sobre suas vidas, críticos em relação ao contexto que os envolve e, portanto, capazes de exercitar de forma autônoma a cidadania dentro dos seus respectivos países; caso contrário, eu pergunto qual a razão.

CTEAD – Então quando falamos em “naturalidade” da educação a distância, seria mais em relação a uma tendência de essa ser cada vez mais glocal e não devemos encarar “natural” como sinônimo de “qualidade”, certo?

TRIVINHO – Com certeza. Há uma proliferação de educação a distância, de sistemas de educação a distância, recursos tecnológicos compatíveis com essas tecnologias digitais e redes interativas que se espargem no Brasil, em particular, sobretudo pelo sistema particular de ensino, muito pelo fato de que o glocal é um lastro irreversível historicamente. Não há mais condição de se voltar à época pregressa – pré-glocal. E a educação a distância se serve naturalmente, como você disse, de todos os recursos glocais disponíveis. E é importante que assim seja feito. Todos os recursos tecnológicos disponíveis no mundo devem ser apropriados pela educação em prol do melhor serviço cognitivo prestado à formação de sujeitos autônomos e socialmente críticos, culturalmente independentes, sem tutela de nenhum tipo; sujeitos autônomos capazes de exercitar a sua cidadania em prol de valores caros, a começar em relação às suas próprias vidas, das suas famílias, das suas comunidades. A questão que eu enfatizo é, independentemente do lastro no glocal (que faz com que tudo seja evidentemente normal, natural), qual é o resultado dessa educação a distância e, nesse sentido, podemos questionar, em relação à cláusula da qualidade, qual é o resultado também da educação presencial. Vale também para ela.

CTEAD – No IFPA, a intenção com a educação a distância é alcançar até os lugares mais ermos justamente para promover a formação profissional. Claro que vamos dispor não somente de equipamentos que facilitam a glocalização como gravações em DVD, por exemplo. Enfim, fazer ela chegar a esses lugares mesmo se não houver rede. Você acredita que, sob essa ótica, a educação a distância poderia ser vista como uma alternativa para promover a dromoaptidão a essas sociedades mais distantes, podendo, em tese, reduzir as desigualdades na dromocracia em que vivemos?

TRIVINHO – Com certeza! Creio que, a depender das distâncias existentes das comunidades vivendo em condições sociais muito desfavorecidas no Brasil – o que é, do ponto de vista político, este fenômeno uma vergonha que deveria ser superada, fazendo com que essas comunidades tivessem os seus direitos a uma vida digna restabelecidos; ou criados, porque muitas vezes nem o tiveram –, a única forma de mobilizar a chegada de recursos cognitivos para que pares, grupos, categorias sociais dessas comunidades possam se beneficiar ciberculturando-se só pode ser na forma da educação a distância. Com a educação a distância é possível. Desde as fitas VHS, de vídeo às fitas cassete, de gravadores (se for o caso), até as redes de banda larga, creio que o Estado deve prover a melhor infraestrutura para que essas comunidades possam se beneficiar da educação a distância. “A dificuldade para que se instalem escolas permanentes em várias escalas de educação nessas comunidades”: essa dificuldade existe! Não deveria existir! O Estado, pago para fazer o seu papel, deveria estender a educação para todos os rincões do território nacional independentemente das condições. Ele é pago para construir pontes. Ele é pago para dar as condições de acesso e o melhor acesso. Ele é pago para promover a infraestrutura comunicacional compatível com a fluência da rede capaz de prover a melhor educação a distância se – ou enquanto – não é possível a instalação de sistemas escolares competentes. Se não o faz, está na hora de fazer.

CTEAD – Promover a dromoaptidão nessas comunidades seria algo positivo?

TRIVINHO – Eu diria necessário, porque nós não podemos mais – dadas as pressões que vêm do mercado de trabalho e das formas de lazer virtuais hoje espargidas na sociedade – escapar de darmos conta da lógica da velocidade que provém socialmente, emerge historicamente da relação que temos que ter com equipamentos digitais e redes interativas. Então, é fatal, sine qua non, imperativo que tenhamos que lidar com a dromoaptidão cibercultural. Se é positivo, se é negativo, se é vantajoso, se é desvantajoso, para o bem ou para o mal, nós precisamos acompanhar e saber, evidentemente, como é que isso se desdobra. Do ponto de vista crítico, a dromoaptidão cibercultural é incorporação da violência da época. Violência simbólica, pelo fato de que velocidade é imperativo. É aquilo que a época quer que façamos e não aquilo que queremos. Mas a época diz que devemos incorporá-la, ser um indivíduo veloz no trato com equipamentos e redes, porque isso nos dá um lugar ao sol na cibercultura; isso dá um lugar ao sol no mercado de trabalho; isso dá a possibilidade de sobrevivência, de rendimento familiar. Então é fatal que tenhamos que lidar com equipamentos e redes. É fatal que tenhamos que lidar com a dromocracia cibercultural, incorporando a velocidade, portanto, sendo sujeitos dromoaptos. Socialmente, somente cada um poderá dizer se isso é bom ou ruim. E isso é compatível com uma democracia: cada qual sabe onde dói aquilo que efetivamente precisa para si.

CTEAD – Bom ou mal, é uma inserção...

TRIVINHO – É necessário como inserção. É por aí que se exercita o pertencimento. E isso não se pode fazer mais sem o concurso dessas tecnologias que hoje fazem nossa vida se calcar em velocidade. Inescapável!

Veja AQUI a parte 1 da entrevista

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